Projeto 2021
30 de janeiro de 2021
Internet
30 de janeiro de 2021
Internet
Então é isso o que chamam de ressaca digital.
Depois de 2020, o ano em que sem dúvidas podemos dizer que vivemos mais no mundo virtual do que no real, passei a ter claustrofobia só de pensar em olhar para uma telinha de celular.
O porre bateu nas férias na Bahia. Céu azul, mergulho no mar, mergulho no rio, cochilo na rede, curtindo a vida como a gente fazia antes de nos confinarmos em nossos cubículos, e então vinha o pensamento como se fosse um bot instalado na mente "Vou gravar um stories disso aqui agora." O pensamento forçado era freado de imediato. Fazer um stories pra quê?
"Olhem onde estou e vocês não estão."
"Olhem, não sumi não, estou aqui, estou bem, estou vivo."
Eu preciso disso?
A primeira e até então única postagem que fiz em 2021 foi em 10 de janeiro, anunciando o fim das férias. O objetivo era dar um alô e mandar aquele axé para o ano que estava se abrindo. As férias haviam de fato chegado ao fim, mas ainda era o começo da ressaca sociodigital. Em especial do Instagram.
O tempo faz pensar.
E nesse tempo pensei se queria continuar investindo minha energia para o Instagram. Digo "para" o instagram porque é a plataforma que mais tenho me dedicando nos últimos anos e onde desenvolvo meu trabalho. E tem me angustiado perceber a orientação da rede para a futilidade.
As redes sociais nos trazem, como padrão, uma noção distorcida da realidade, mas nenhuma delas atinge o grau de realidade alucinógena do Instagram.
É claro que a gente escolhe quem quer seguir, para quem queremos dar atenção. Ok, se você tem algo de que se orgulha, é natural que queira compartilhar com as outras pessoas. Não deveríamos culpabilizar o aspecto do compartilhamento, mas sua captura por uma lógica econômica que prestigia a visibilidade e a performance.
A dinâmica da rede, cada vez mais voltada para vendas e compras, revelou pra mim o que no fundo ela é: publicidade.
Tudo no Instagram é propaganda. Até o que não é, é. Principalmente o que não é. A cada foto estamos divulgando algo, seja um produto, um comportamento, uma ideologia, a nossa vaidade. E a velocidade com que o conteúdo é absorvido e jogado fora (questão de segundos) torna a experiência vazia.
É a rede social do eu-tenho-eu-posso-eu-sou.
Cada perfil na rede é um empreendedor que transmite a imagem de sucesso. Escravos da positividade e do carisma, ninguém pode deixar transparecer insatisfação. Apesar que, claro, o ódio também vende, e vende muito, o ódio também faz sucesso. Logo, mesmo na chave do ódio, o objetivo segue sendo o de passar a imagem de um empreendedor de sucesso.
E o que estamos vendendo? Nós mesmos. Criamos personas e histórias para comunicar aos outros quem somos nós. Nos relacionamos uns com os outros como se fôssemos um par de sapatos.
Nos últimos anos dentro deste cenário a tendência empresarial que mais obteve sucesso nas mídias sociais foi a humanização das marcas, a personalização das marcas. Já viu como a Netflix responde os comentários dos seus seguidores?
As marcas viraram pessoas.
E as pessoas viraram marcas.
E o que estamos oferecendo em nossos perfis? Qualquer coisa que possa ser consumida em 5 segundos. Daí como manter uma identidade que não seja puramente promocional? Esse é o problema.
Tudo o que está na vitrine do Instagram eu encontro de forma melhor e mais profunda em outras mídias como newsletters, blogs, youtube e podcasts.
Pois bem. Tenho pensado muito sobre o tempo e a energia que já dediquei para essa rede. Eu cansei.
Existem dois tipos de artistas (hoje a gente fala “criadores de conteúdo”), os que tiram e os que dão. Os do primeiro grupo fazem arte para tirar alguma coisa de alguém, dinheiro, status, tempo, atenção. Os do segundo grupo fazem arte para dar alguma coisa para alguém, inspiração, relaxamento, conhecimento, no final esse alguém sente que ganhou algo, como um presente.
Nesse ano meu projeto vai ser trabalhar mais em plataformas que possibilitem ir além dos 5 segundos de atenção e me afastar de um trabalho desgastante que desvia nossa potencialidade e energia vital para a produção e o consumismo.
Publicar mais livros, fazer mais entrevistas, conversas, investir mais tempo no podcast e na newsletter. São os planos para a agenda de trabalho de 2021.
Engraçado que hoje a gente divide os processos como nunca. No século passado a fase de transição de um artista, onde ele costumava se isolar para encontrar um novo projeto, era envolta de mistérios e segredos. Passávamos meses ou anos sem notícias. E então, como que vindo da caverna, o artista ressurgia com seu novo trabalho. Hoje parece que não se pode passar um dia, quem dirá uma semana, sem saber o que o outro está comendo. Tudo está exposto, toda a insegurança, os devaneios, os rascunhos. Assim que é. Então vamos assim. Então vamos juntos.